27.12.03

acabei de saber que a minha tia faleceu. tia ivete era a irmã mais velha de papai. ela cuidou muito dele quando ele era menino. a família de papai era pobre, de um tempo em que pobreza e miséria eram coisas muito diferentes. papai ganhava roupa e sapato novo no aniversário, e era tia ivete quem dava. ela saía com ele para o comércio e comprava os presentes. deu também muito carinho, desde que ele nasceu. foi a segunda mãe dele.
eu lembro de uma tia velhinha, muito branca, de olhos tristes e mandona. meu pai tinha por ela imenso amor, respeito e, nas palavras dele, uma dívida de gratidão.
e ela morreu hoje. tinha mais de oitenta anos, já vinha doente há vários anos. ela nunca se casou, morava com a minha outra tia, a irmã mais nova, tia stelinha.
tenha bons sonhos, tia ivete. diga a papai que estou com saudades dele.

21.12.03

às vezes dá uma raiva danada dele ter morrido.
eu nunca acreditei em papai noel. claro que pedi presentes a ele, quando era criança, mais por farra do que por acreditar.
sempre me disseram: "papai noel é o pai da gente", e eu cresci acreditando que era meio fantasia de carnaval... as pessoas se fantasiam de papai noel no fim do ano!
histórias de natal com o meu pai.

bem. eu lembro mais da última. o último natal dele com saúde.
ele comprou uma cesta de palha bem grande e foi enchendo de coisa gostosa, era a cesta de natal dele. passou um mês inteiro nessa história, decorando com papais-noel de chocolate que eu roubava, sem disfarçar, sempre que podia.

aninha era um toquinho de gente, nem lembro a idade que tinha. ela acompanhou toda essa operação natalina de papai. e, quando a cesta ficou pronta e ele a fechou com papel celofane, aninha virou para ele e disse:
"agora a gente leva para a minha casa"

:)

essa é uma das lembranças mais legais que eu tenho dos dois juntos. e não, ela não levou a cesta.

12.12.03

este ano passou tão depressa, meu deus. hoje faz exatamente um ano que eu escrevi um texto sobre o que seria o aniversário de 50 anos de casamento dos meus pais.

e hoje, pela tradição da minha família, é o dia de armar a árvore de natal.

a minha árvore.

eu que comprei a árvore e escolhi cada enfeite. pombos de vidro dourado na Mesbla, anjinhos e gatos nas lojas americanas. o presépio na Grillo Presentes foi tão caro que foi o meu presente. eu abri mão dos outros presentes de Natal, porque eu o queria tanto, tanto. Com cavalo, vaquinha, pastor, camelo, ovelhinha. lindo.

eu ainda não tenho minha árvore de natal aqui. a minha casa não é enfeitada. mas a casa que eu quero linda, com o pinheiro quase maior que eu, é a casa da minha mãe.

eu quero tanto trazre de volta o que já foi... meu pai, a saúde dela, minha infância. e, às vezes, isso impede de viver o que vivo hoje. de fazer a minha árvore de natal. com poucos enfeites, porque eu gosto de ir comprando e lembrando, ano a ano, as novidades.

como o anjinho de bunda, meu deus. o anjinho de corpo inteiro e que tem bunda, como eu ri quando eu comprei.

tá na hora de transformar isso tudo para a minha vida real, e ter um natal enfeitado, do jeito que eu gosto.

porque eu sou lúdica. eu ainda sou criança no meu coração.

6.12.03

a morte da irmã de uma amiga, aos 30 anos, num acidente, me fez pensar no meu pai.
e em como a nossa relação com morte é relativa.

o filho de uma colega de faculdade morreu antes de fazer um mês de vida, e foi cedo.
a irmã da minha amiga morreu aos 30, e foi cedo.
meu pai morreu duas vezes, a mente aos 60, o corpo aos 65. e foi cedo.

ao filho da colega a morte tirou uma vida inteira.
à irmã da amiga, tirou a plenitude da vida, deixando só a juventude para ela.
do meu pai foi tirado o colher dos frutos, o ser avô e tantas coisas que só conhecerei ao chegar à idade dele, se isso me for permitido.

e ainda assim, a minha avó deve ter pensado, ao partir com 94 anos, que ainda havia tanto para viver. por exemplo, conhecer os filhos que ainda não tive, e, com um pouco de sorte, ver os filhos das bisnetas.

4.12.03

músicas de jorge de altinho me lembram meu pai. forrozinhos ingênuos dos anos 80.

"quem for feliz no amor que levante o dedo
e me responda sem medo se verdade for
quem já tomou dessa água e banhou-se no rio
sabe o gosto que sentiu, a marca que ficou...
lá, laiá, laiá..."
vocês devem ter ouvido falar de um filme chamado "As Invasões Bárbaras". Pai e filho. Pai doente. Psicologismos.

Tou correndo desse filme como o diabo da cruz. não vejo filmes com pai doente nem para salvar a minha alma. e todo mundo vem me dizer que o filme é lindo e que eu vou me emocionar.

mas eu não quero me emocionar, caramba. vou enfiar a faca na ferida para quê? deixa quieto. do meu pai eu falo aqui.

2.12.03

minha amiga jacque me disse que foi na igreja das graças, lá em recife.
meu pai mora nessa igreja, junto com minha vó.
estranho lembrar isso.
até pq meu pai mora longe, no céu, na estrela do meio das três marias.
mas os ossos dele tão lá. estranho pensar que meu pai era feito de ossos.