20.4.08

eu vou falar duma coisa que eu não falo aqui: raiva.

quem me lê aqui, tão serena, apesar de saudosa, não sabe de tanta raiva que eu tive. e do medo. e da dor.

só que eu não sabia lidar com medo e dor, quando papai adoeceu. eu tinha 16, 17 anos. eu só sabia ter raiva. e tive muita raiva. bati muita porta, dei muito grito e, de vez em quando, chorava baixinho atrás da porta do meu quarto.

se ele tivesse feito a cirurgia que o médico mandou.
se ele tivesse emagrecido.
se ele tivesse largado o cigarro.
se ele tivesse feito exercícios.

se ele tivesse duas rodas seria uma bicicleta.

papai viveu a vida dele como quis. certo ou errado, viveu do jeito que escolheu. caberia a mim, sua filha, mandar nele para que ele vivesse mais? caberia ele aceitar médico mandando nele, domando suas vontades, em troca de 20, 30 anos a mais?

isso só ele saberia responder.

da minha parte, humildemente, aviso que não sou anjo de candura e não foi fácil transformar a dor e o medo da vida sem ele num blog que fala de amor.

não foi nada fácil.

não é fácil deixar o egoísmo de lado (ele tinha que se cuidar para cuidar de mim!) e respeitar o que um homem maior de idade e vacinado escolheu para sua vida.

mas lamento. isso eu lamento. 60 anos foi muito pouco. 17 anos de pai foi muito pouco. mas foi o que tinha que ser. foi completo, foi íntegro. meu pai amoroso, brincalhão, teimoso, briguento, mandão, explosivo, carinhoso, engraçado, irresponsável, o que fosse.

só digo que não foi fácil. não é fácil. não sou diferente nem melhor do que ninguém e esse é só o meu jeito.

mas que eu preferia que ele estivesse aqui, ah, preferia. você tem alguma dúvida?

12.4.08

passeando pela internet (eu passeio, não navego) encontrei este blog.

e nele, num post sobre a ausência do pai no dia em que seria seu aniversário, estes versos da Cora Coralina.

Ele era velho e era um mestre.
Eu era jovem e era discípula.
Ele mestreou e ela aprendeu.
E dessa escola ninguém ouviu falar.

Ele se foi sem saber que era um mestre.
Ela ficou, sem saber que foi discípula.
Só muito depois, compreendeu
E já era tarde.

(fragmento de A fala de Aninha (várias...), de Cora Coralina



eu tive que parar e postar aqui.

10.4.08

às vezes, quando papai chegava do trabalho, eu vestia seu paletó.
imenso e pesado e quente.

engraçado, né? meninas devem calçar os saltos altos das mães, e não vestir os paletós dos pais.

mesmo assim, não segui seus passos, não fui advogada.


andando na rua, lembrei de um ano que a gente passou o verão numa casinha na praia. era uma praia muito simples, na paraíba. acaú, se não me engano. o mar era raso e manso. raso de você andar até as casas ficarem pequenas e a água não sair do meio da canela.

havia umas dunas e umas cabras com seus cabritinhos.

uma manhã, meu pai pegou um no colo e foi me mostrar. acho que era um cabritinho preto, não tenho certeza. eu tinha menos de dez anos. fiquei um pouco assustada - ai, como eu já era complicada, pai do céu - porque meu pai tava mexendo nos cabritos dos outros.