20.10.12

5 de outubro

foi a primeira vez que eu estive em um enterro desde o começo. 

assinei papéis. escolhi, junto com a irmã dele, a roupa que ele vestiu. levei seu perfume predileto e um par de sapatos que ele não usou. protegi a irmã dele de tudo que pude. 

reconheci seu corpo pelas mãos.

é tão, tão estranho, sua pele tão fria. mandei que colocassem a dentadura, ele estava com o rosto murchinho sem ela. ele tão cinz
a. recebi as pessoas. abracei, fui apresentada a uns, vi primos, amigos de trabalho, até o camelô onde ele sempre comprava bobaginhas. chegaram coroas de flores. uma colega de trabalho chorou tanto, acho que eles namoraram um tempo.

fizeram uma prece, falaram coisas bonitas. a pessoa que fez a prece não conhecia meu sogro, cheio de vida e gritos, de vontades, de ordens, de presentes, de risadas. meu sogro, uma força da natureza.

"ele parece tão pequeno", disse o fred.

fred passou a manhã toda resolvendo a parte burocrática. cartório, xerox, papéis importantes.
fred ficou do meu lado. eu segurei sua mão. fred me abraçou.

era meu sogro, era meu amigo, era meu segundo pai.
foi triste.
foi sereno.

o enterro foi lá no catumbi, o cemitério fica numa ladeirona. subi a ladeira com o fred, o pessoal foi de carrinho, como os carrinhos dos aeroportos. ele foi enterrado numa gaveta, num canto feio e cheio de mosquitinhos de flor.

voltamos para casa, a tia foi para a casa que era dele, agora sem ele.

eu e fred viemos para nossa casa, descansamos. eram duas e meia da manhã quando o telefone tocou.