31.3.03

sei que estou calada há uns dias: meu micro quebrou. mas as lembranças continuam.

minha irmã me disse que meu pai, quando ela era menina, chamava o beijo estalado que ela dava na bochecha dele de beijo de brigitte.

bardot, claro.

15.3.03

serginho postou no nunca plantávamos coentro, e eu, que sonho um dia ser a unha do pé de adélia prado, copio aqui, com o coração pesado de saudade.

LEITURA

Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras
as macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha.
De escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora do seu tempo desejadas.
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que lá fora o mundo havia parado de calor.
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar a sua alegria:
onde está o meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha binga, meu vidro de café?
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera.

# Adélia Prado #

13.3.03

há uns quinze anos eu tive este sonho:

saía com meu pai, de carro, para veranear. passava pela rua da minha casa, e, onde era o posto de gasolina, era uma piscina pública, lotada de gente.
chegávamos a uma casinha paupérrima. minúscula mesmo, era onde iríamos passar as férias. e quando a gente entrava na casa, que palácio! era imensa, linda, decoradíssima. e por fora, a casinha miserável de telhado de palha. nem ao menos pitoresca.

12.3.03

sinto falta de chamar "pai".
depois que papai adoeceu mamãe foi deixando de fazer as comidas que ele gostava e eu também.

acabaram-se os cozidos, os sorvetes caseiros, as peixadas espetaculares. o peixe de forno do aniversário de 60 anos de papai nunca mais foi feito. e eu sinto falta desses sabores.
conversando com tia deza, irmã de mamãe, sobre vô ernesto, pai de papai.

vô ernesto, já disse, era amigo de vô juca, pai de mamãe. e tia deza conta que ele se vangloriava: "deixei a família, é verdade, mas deixei com a casa boa"

eu contei prá ela que tinham me dito que vó stella botou ele para correr, e ela se espantou muito. argumentei que ele não ia dizer mesmo se tivesse sido mandando embora, não ia admitir isso de jeito nenhum.

perguntei se ele refez a vida por lá, se teve outros filhos, mas ela não sabia.

1.3.03

sonhei com meu pai.
é raro, isso.
sonhei com ele mais velho, mas a aparência saudável, gordinho, de cabelo branco. mas estou me adiantando no sonho.
vinha uma pessoa - uma mulher - me avisar que ele estava chegando de viagem, uma viagem que demorou muito tempo, muitos anos. e eu ia buscá-lo, mas não na rodoviária, que era longe, mas num posto onde os ônibus paravam, perto de onde eu estava, algumas ruas, só. e eu via seu nome na lista de passageiros, mas ele não estava lá no posto.
eu o via chegando na calçada, andando de skate (!), e não lembro se o abraçava, mas ele sorria um sorriso grande e minha saudade ficava quentinha e eu ficava muito feliz em vê-lo.
depois era meio complicado: havia uma certa briga pq eu queria que ele voltasse para casa mas acho que ele havia abandonado a gente e estava um mal estar danado. minha mãe estava deitada de costas, não queria participar da conversa, e eu dizia que a casa era dele e ele seria bem vindo para voltar a hora que quisesse. lembro de dizer "as portas estão abertas". papai não se incomodava muito com a questão, ele sorria o tempo todo, um olhar de carinho e curiosidade, pois as pessoas tinham mudado enquanto ele estava fora.

o sorriso dele e sua cara de velho estão comigo. espero que sempre fiquem.

e se quiser voltar, pai, a casa é sua. a hora que quiser, as portas estão abertas, meu coração também. será muito bem vindo.