1.2.08

amanhã é sábado de carnaval.
numa noite de sexta, antes do sábado de carnaval, eu ouvi a voz do meu pai pela última vez, e não sabia.
faz vinte anos isso.

peguei a calculadora: vinte anos dá sete mil e trezentos dias. fora os bissextos, fora o carnaval que pode ser para mais ou para menos em fevereiro.

eu não queria saber isso. eu não queria fazer essa conta. de ter mais tempo de vida sem ele do que com ele, e de repente ver que em tudo o que eu falo, faço, sou, tem um tico da minha vida com ele, do desejo dele me aprovar, do medo dele olhar, balançar a cabeça e dizer "do que adiantou ser tão inteligente, ler tanto livro e não dar em nada? fulana filha de sicrano é juíza. beltrana conhece a europa. sicraninha filha do meu compadre comprou um apartamento para a mãe..."

ele não diria isso e gritaria com quem dissesse isso para mim. meu pai, que gritava. meu pai, que sorria. meu pai capaz de belezas e injustiças, meu pai de amor imenso e imperfeito, meu pai, um ser humano.

meu pai nunca foi um herói. foi só meu pai, e isso é muito.