5.11.03

a mãe do meu pai.

vó stella morreu em abril de 69. eu nasci em outubro de 70. quer dizer que ela nem viu a barriga.

e eu não sei muito dela.
sei que papai chorou feito menino quando ela morreu. e a vó morreu em casa, na cama dela, no quarto dela, como se fazia antigamente. com os filhos ao redor.
há uma foto da minha vó lá na casa da minha mãe.
uma senhora magra, cabelo grisalho curtinho, olhar triste e cansado.
sim, meu nome vem dela. dela e de vó maria, mãe de mamãe. maria stella, o nome das duas avós.

papai me falou pouco sobre ela. que foi moça rica. teve preceptora francesa. parentes no rio de janeiro. e que acabou o casamento, botando meu vô prá fora, por conta dos desvarios dele, imagine perder contos e mais contos de réis no jogo. depois disso, muitos anos de dinheiro curto.

outras pessoas me disseram da vó. o meu pai a amou com todas as forças do édipo, mas ela não retribuiu na mesma medida. que a vó só gostava mesmo de dois dos filhos. e que só passou a dar mais atenção a papai quando ele foi nomeado promotor, e isso que ele tava com trinta e tantos.

não tenho muito dela. a não ser o queixo empinado. talvez a cor da pele, saí à família de papai, pele alva. minha mãe diz que a única coisa que temos em comum é que somos mulheres, e que eu sou meu pai escritinho.

bem, falta o bigode. ;)

sim, eu sou muito filha dele. dos sonhos dele. e também gosto de ser obedecida, só não me agrada ser chamada de doutora, por isso nunca fiz faculdade de direito.

mas ele dizia que eu seria uma excelente promotora, pois gosto de brigar.

brincadeira. só brigo o mínimo necessário. no mais, sou uma flor de criatura.

vi na banca de flores gladíolos brancos, do jeito que ele gostava de comprar. e um dia crio coragem para fazer a receita de sorvete caseiro que ele tanto gostava: as minhas lembranças passam pela boca.
não lembro do seu cheiro, mas dos sabores que gostávamos.

uma vez ele disse para eu experimentar cebola frita, que era gostoso.
eu não gosto de cebola, disse que não queria.
e o tanto que ele insistia era o tanto que eu resistia.
até que ele perdeu a paciência e disse que ia me fazer comer um quilo de cebola frita.

nunca fez isso.
na maioria das vezes, latia sem morder.
mas quando mordia...
a mordida dói até hoje.