9.7.03

talvez eu passe uma imagem errada. eu era - e sou - aquela menina quieta, que fica num canto da festa, que diz que não sabe dançar.
eu só me solto em chão seguro, como este.

e agora me lembro do meu pai e eu no centro de recife, andando de ônibus. e era absurdo, pois meu pai não andava de ônibus, e entardecia.

ou quando a gente foi para o cinema - eu tinha 7, 8 anos - não sei se para ver bernardo & bianca ou superman. estava frio no cinema, e ele me deu seu paletó.

ou quando ele chegava em casa buzinando para a gente abrir a porta. umas vezes eu sentava no capô do carro e ele vinha devagarinho. e eu rindo.

mamãe piorou.
ela sofre de distúrbio bipolar, que é uma alternação de estado de euforia para estado depressivo.
não sei se o germe dessa doença já existia quando papai tinha saúde, mas lembro dele dizer, meio apreensivo: "helena está muito 'alegre'. tá na hora de dar o remédio dela.

papai escrevia difícil nos seus poemas e era coloquial em seus contos.

nunca vi papai num júri - ele era promotor - mas tenho vontade de ter visto. menor de idade não entra no salão de júri, ele me disse uma vez. voltava contente quando conseguia a condenação do criminoso. "ganhei de goleada", comentou, quando o veredito foi de 7 a zero. é, no brasil são 7 jurados e não 12 como nos estados unidos. número ímpar para não dar empate.

ele me citou uma frase, certa vez, na qual alguém importante disse "odeie o crime, mas não o criminoso"

lembro de um júri importante dele, anos 70, em olinda: o júri de anjinho, a mulher que matou o marido despejando chumbo derretido no ouvido dele, enquanto ele dormia. papai disse que o crânio fazia cloc, cloc quando sacudido. ele venceu mais essa.

papai usava o anel de formatura, o que eu achava horrível e perigoso. tira esse anel, pai, podem te assaltar. e ele dizia que, quanto maior o rubi, mais burro o doutor. e isso que o rubi dele era um descalabro, rodeado de brilhante, parecia um anel de bicheiro.