22.1.03

hable con ella, almodóvar.

falei tanto com meu pai. uma vez, coração partido, 19 anos, faculdade, aquela dor me sufocando, me abracei, pai, o que é que eu faço, eu quero ele, ele não me quer.

outras vezes era só o gesto de carinho, como incluir seu nome no amigo secreto de natal.

outras era um gesto de temeridade: uma colherinha de chá de iogurte de morango, com medo dele engasgar, só para que ele tivesse algum sabor na boca.

outras vezes, tantas outras. falei com ele. falei muito com ele. na despedida, eu sozinha em frente ao caixão numa madrugada imensa de dor de cabeça e saudade, falei com ele a noite toda e de repente o dia tinha amanhecido e eu não notei.