30.7.03

mas eu não quero falar das tristezas.
se meu conselho valer, eu que andei por esse caminho ainda tão nova, você que me lê, que sabe de alguém que esteja passando por situação semelhante, faça o que não fizeram por mim.
não divida a família.
não diga para a mãe ser forte para os filhos, e para os filhos serem fortes para a mãe. não ensine que as dores devem ser vividas individualmente porque o outro não é forte para segurar a dor dele e a sua também.
demorei muito para aprender sozinha o óbvio: ninguém tem que ser forte num caso de doença. as pessoas precisam se unir, como numa nevasca, para que o calor de um aqueça o outro, numa bolinha de gente se defendendo do frio.
respeite a maneira que a pessoa vive esse momento. não adianta nada dizer "reaja! grite! bote para fora a sua dor!" se a pessoa não está pronta para entrar em contato com essa dor. eu estou vivendo a dor da perda do meu pai aqui, em palavras, mais de dez anos depois do derrame que o deixou cinco anos em coma.
seja gentil. deixe saber que você está por perto. para aquelas conversas sem palavras. para ouvir um disco e dançar. para levar pro cinema, uma comédia boboca, para dar risada. essa é a força necessária para enfrentar doenças e tragédias. não esconder o problema, não botar um holofote nele. sim, o problema existe, mas a vida continua, e isso é o estranho da vida. ela continua. a gente continua. e até quem morre continua na gente.
a questão é como a gente vai continuar.
eu não perdi a esperança, o amor pela vida, o amor por meu pai, a mania de falar besteira, o carinho pelas crianças, um certo lirismo. mas perdi muito da minha adolescência, perdi o sossego quando o telefone toca mais tarde na noite (primeiro pensamento: é desgraça?), ganhei uma angústia ao ver ambulâncias e total incapacidade de assistir filmes com pessoas doentes.
esse foi meu preço.
não sei qual será o dos outros.
mas você que está me lendo, não desista.
viva a sua vida, as suas dores, suas alegrias, do seu jeito. e saiba que é do ser humano sobreviver.